E tome prosa!

O Fruto da Laranjeira


São os cabelos dele...
São os fios brancos entrelaçados aos fios pretos, tingindo-os de uma cor grisalha, suave, penteada. Abaixo vai correndo a aromática barba, de um mesmo tom dos fios, aquela que me causa arrepios, que nunca quis apenas idealizar, quero eu poder tocar e beijar e beijar. E vejo-me acariciando-a, roçando a face, deslizando os dedos, sugando em desespero os cheiros e desejos, a fim de tomar o cálice-vinho dos teus tempos remotos, nunca ignotos.

Ele levanta enfaticamente os braços e fico a querer envolve-lo em ardentes abraços, dando laços, fortes amassos. Seus dedos delicados de unhas semitransparentes, brilhantes, contentes, sem anel, banha-me com teu mel, cobre-me como um vel. Fico a pensar em seus braços, sua sedutora tatuagem fito-a como miragem. Sua aparente fraqueza, mística beleza da madura idade. Seu pulso envolto de uma pequena pulseira de cordas finas, rústicas, singela. São miçangas africanas e eu as teci, sou sua baiana.

Seu falar lusitano provoca um delírio profano, e causa muito mal esse gozo de Portugal. Tua nau cruza meus oceanos Brasílicos, e minhas ondas escumam os bravios desejos dos mares desbravados. E a chama que há em mim é contida devido a todo aquele recinto formal, mas o calor interno ruge como um animal, e não me envergonho em te querer, eu canto o amor do meu próprio prazer.
Sua boca breve, pequena, mas de rico conhecimento, ecoa pelo auditório que aplaude as sábias palavras. Naquela conferência perdi toda a consciência, mas não me arrependo por te admirar, que bom será mais tarde te encontrar.

Fiquei em sua mesa a fingir que concordo com tudo, que estou atenta a todos os seus falares, mas pelejo com o silêncio, fujo e sou livre em te dizer muitas coisas, mesmo que em meu pensamento. Toco explicitamente em ti, nos cantos todos, em todas as partes. Sou teu desbravador, tu és meu terreno colonizador, pego em tua euforia, causo-te agonia, canto as tuas formas, digo quais são as normas. Tu és Terra Minha, Fruto Meu, não tenho censura alguma, eu marco as horas.
De tua laranjeira frondosa, não te consulto, roubo e chupo teu fruto, na hora que bem desejo.

Simeia Castro